Desvendando a história das ilhas artificiais: o verdadeiro custo do ambiente construído

Escrito por Nour Fakharany | Traduzido por Diogo Simões | Publicado por ArchDaily

Ao contrário do que muitos acreditam, as ilhas artificiais têm uma longa história em muitas regiões do mundo, como as ilhas recuperadas no Antigo Egito, as centenas de crannogs de palafitas encontradas em lagos e cursos de água escoceses e irlandeses e as ilhas cerimoniais construídas durante o Império Asteca. Por definição, uma ilha artificial é uma ilha que foi construída por seres humanos, em vez de ser formada por processos naturais. Ilhas artificiais podem ser construídas por muitas razões diferentes, e essas razões estão aumentando à medida que o mundo enfrenta o iminente problema da escassez de espaço.

No passado, essas ilhas tinham fins cerimoniais ou agrícolas, e às vezes eram usadas como espaço urbano. Mais recentemente, as ilhas foram construídas para mitigar a superlotação, recuperar terras, proporcionar expansões urbanas e atender às necessidades de infraestrutura da indústria. Ilhas artificiais também possuem certas vantagens estratégicas e benefícios econômicos, e podem trazer benefícios geopolíticos. No entanto, esses tipos de projetos  têm um custo significativo para nosso ecossistema causando danos graves e extensos ao meio ambiente.

Conheça a história das ilhas artificiais e suas aplicações no ambiente construído de hoje.

 

Centros religiosos e cerimoniais

Localizadas na costa sudeste de Pohnpei, as mais de 100 ilhas Nan Madol funcionam como centro cerimonial da dinastia Saudeleur. A cidade foi construída em uma lagoa no meio dos Estados Federados da Micronésia. Era constituída por uma série de 92 ilhas artificiais unidas por uma rede de canais. Além disso, é frequentemente referida como a “8ª maravilha do mundo”, representando a sede política desta dinastia.

Agricultura

Durante o Império Asteca, as Chinampas eram uma técnica agrícola tradicional utilizada pelos habitantes da área que é hoje a Cidade do México. Essas ilhas artificiais eram basicamente canteiros de jardim elevados construídos sobre as margens de lagos rasos. As chinampas eram construídas com estacas de madeira entrelaçadas com galhos de origem local, que formavam uma estrutura preliminar. Em cima dessa estrutura, eram empilhados canteiros de plantio feitos de barro e silte, criando jardins elevados. As ilhas permitiam uma agricultura diversificada.

 

Centros urbanos

Conhecida como "A Cidade Flutuante", Veneza é um exemplo primordial da importância histórica das ilhas artificiais. A cidade é composta por 118 ilhas no Mar Adriático, construídas por meio de uma combinação de canais e muros de contenção. A partir do século V d.C., terras pantanosas foram transformadas em mini ilhas, criando a intrincada rede conhecida hoje como Veneza. Troncos de árvores foram utilizados para nivelar as terras pantanosas, atuando como base e criando uma base sólida, seguidos por plataformas de madeira projetadas sobre eles, criando espaço para edifícios e infraestrutura.

© Shutterstock | muratart, Veneza

Os exemplos acima mostram a implementação histórica de ilhas artificiais para vários fins diferentes. Ilhas artificiais ainda estão sendo produzidas, mas em uma escala muito maior, potencialmente prejudicando o meio ambiente. Estamos construindo mais ilhas do que nunca, e isso causa perturbação ambiental, redução de biodiversidade, degradação da qualidade da água e vulnerabilidade às mudanças climáticas.

Nas Ilhas Spratly, no Mar da China Meridional, a China embarcou em uma construção em larga escala de ilhas artificiais na esperança de fortalecer as reivindicações territoriais dessa crucial rota de comércio. Servindo como centro de uma rede de comércio entre o Oriente e o Ocidente, essas novas ilhas garantem a posição geopolítica da China em relação aos países vizinhos. Além das questões legais em torno da decisão de construir terras chinesas em "águas internacionais", muitas preocupações ambientais foram levantadas. O impacto nos ecossistemas de recifes circundantes tem sido prejudicial.

Cortesia de New York Times | Spratly Islands, Obras chinesas no Johnson South Reef, no território disputado

Anteriormente um centro próspero de biodiversidade, abrangendo ecossistemas marinhos, florestas de mangue e uma variedade diversificada de espécies de peixes, o equilíbrio da região foi colocado em risco como resultado dos empreendimentos de construção. Coletivamente, a China recuperou aproximadamente 3.200 acres para criar ilhas artificiais, culminando na perturbação da dinâmica das ondas e na alteração das rotas migratórias para inúmeras espécies. Além disso, as descargas de areia provenientes das actividades de dragagem infligiram danos aos recifes de coral próximos.

As “Palm Islands” são outro exemplo de ilhas artificiais. Foram criadas para aumentar a faixa costeira para os turistas em Dubai. Em 2005, essa enorme ilha em forma de palmeira adicionou cerca de 56 km à faixa costeira. O empreendimento alterou significativamente a ecologia local, causando erosão costeira, transferência de sedimentos e mudanças nos padrões de ondas. Sedimentos depositados devido à construção sufocaram a vida marinha e alteraram a quantidade de luz solar que chega às plantas da praia.

Cortesia da NASA | The World, The Palm Jumeirah.

A cerca de 29 km a leste das Palm Islands estão cerca de 300 pequenas ilhas artificiais construídas em forma de mapa-múndi na costa de Dubai. A construção das ilhas chamadas de “The World” começou em 2003. Todas as ilhas foram construídas através de dragagem de areia e remoção de sedimentos. Embora ambos os projetos de ilhas artificiais tenham sido bem-sucedidos em atrair turistas, as ilhas têm se mostrado extremamente prejudiciais ao meio ambiente. As águas do The World têm sido contaminadas com sedimentos, sufocando os organismos e os próprios recifes, levando à degradação completa do habitat.

Em conclusão, a história das ilhas artificiais revela uma jornada fascinante de engenhosidade e adaptabilidade construtiva humana. Das civilizações antigas do Egito e do México asteca às maravilhas modernas de Dubai e China, as ilhas artificiais foram utilizadas para enfrentar uma variedade de desafios. Essas ilhas nasceram da necessidade e agora mostram inovação, remodelando linhas costeiras, criando novos centros urbanos e redefinindo as possibilidades do ambiente construído.

As ilhas artificiais continuam chamando a nossa atenção e impactam significativamente na maneira como as cidades são construídas. Elas continuam sendo utilizadas para criar pontos turísticos, estender áreas urbanas e ampliar territórios, como mostram os esforços da China no Mar da China Meridional e as Palm Islands de Dubai. O impacto ambiental das ilhas artificiais feitas pelo homem tem despertado preocupações sobre a estabilidade dos ecossistemas marinhos, perturbação de habitat e dinâmica costeira. Este progresso tem preço.

Perante a crescente superpopulação, a crise climática e a escassez de recursos, a história das ilhas artificiais serve como um lembrete da nossa capacidade de moldar o ambiente construído. À medida que navegamos pelas complexidades do desenvolvimento moderno, a narrativa das ilhas artificiais sublinha a importância de harmonizar o progresso com a gestão ambiental. Além disso, com a Conferência Climática Internacional COP28 em Dubai se aproximando, existe a expectativa de que líderes mundiais discutam medidas para combater as mudanças climáticas. As ilhas artificiais e seu custo a longo prazo para o futuro de nossas cidades são pertinentes para esta discussão.