Crescimento das proptechs e construtechs traz novas perspectivas para o mercado imobiliário

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O setor de construção civil segue evoluindo, em termos de tecnologia e sistemas construtivos e formas de comercialização, envolvendo todos os elos da cadeia: fabricantes, varejo, construtoras e o consumidor final. O bom cenário se confirma com os dados do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M), divulgado pela FGV, que apontou alta de 0,33% em agosto, atingindo crescimento de 8,80% no acumulado do ano, aumentando o valor dos orçamentos destinados a obras e impactando preços de mão-de-obra, materiais e serviços.  

O número de Construtechs e Proptechs, por exemplo, cresceu 282% nos últimos cinco anos, de acordo com o Mapa de Construtechs e Proptechs, análise de mercado feita pela Terracotta Ventures, empresa de venture capital que tem acelerado a inovação do setor. O estudo mais recente, publicado em maio deste ano, mapeou 955 startups ativas no cenário nacional, enquanto o relatório de 2018 registrou 350.

O indicativo é um dos sinais de que a tecnologia tem trazido mudanças e novas perspectivas para o mercado imobiliário como novas formas de fomentar os negócios e a integração por canais digitais.

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Para entender um pouco mais sobre essa movimentação e seus impactos, o FEICONNECT, entrevistou Marcus Vinicius Anselmo, co-founder & managing partner da Terracotta Ventures. Confira:

FEICONNECT: As proptechs têm ganhado cada vez mais espaço no mercado imobiliário. Na sua opinião, quais fatores estão associados ao sucesso?

Marcus Anselmo (MA): A necessidade e o aumento na oferta de soluções e serviços dedicados à digitalização do mercado imobiliário e na indústria da construção civil são fatores naturais para que proptechs e construtechs ganhem espaço no setor. Os cases de sucesso também começam a aparecer com mais força e dão confiança para que o mercado imobiliário se desenvolva como um todo, tendo como exemplo a ascensão de unicórnios como Loft, Quinto Andar e Madeira Madeira. 

Ao mesmo tempo, o mercado passou a atingir uma massa crítica maior à medida que as primeiras startups do setor, que começaram a crescer em 2017, já estão mais amadurecidas. Outro fator que contribui para o bom momento das proptechs é o mercado de venture capital, no qual, as grandes gestoras de capital e empresas de investimento do setor têm pelo menos uma proptech em seu portfólio de investida. 

Ou seja, une-se a necessidade de mercado, o amadurecimento das empresas à entrada de dinheiro para fomentar os bons negócios. Isso faz com que se crie o ambiente perfeito para o crescimento e a adoção das proptechs e construtechs em um mercado historicamente tradicional.

 

FEICONNECT: De acordo com a atuação da Terracotta no mercado, quais são os perfis tanto das imobiliárias quanto dos consumidores que têm apostado na tecnologia para desburocratização de processos, gestão dos imóveis, acompanhamento do mercado e fechamento de negócios?

MA - A digitalização deixou de ser um movimento de nichos específicos e passou a ser o agente transformador de diferentes setores, impactando também o segmento das proptechs. Há cerca de quatro ou cinco anos eram poucos os donos de imobiliárias mais ousados que investiam na digitalização de seus serviços. Hoje, a adesão da tecnologia se tornou uma necessidade tão presente, especialmente pós-pandemia, que todos os negócios estão buscando algum tipo de digitalização. Agora, a grande diferença não está em quem está procurando se digitalizar, mas em como está buscando a inovação.

Hoje há tendências relativas à digitalização que mudam a relação da empresa com o mercado. Não basta a imobiliária simplesmente buscar uma solução para digitalizar os seus processos, mas continuar mantendo um canal antigo com o consumidor. Da mesma forma, não adianta a imobiliária implantar um software de gestão e processo e os corretores não estarem preparados para a tecnologia e continuarem passando para os clientes sugestões de imóveis que não tenham a ver com os interesses individuais de cada pessoa.

Feita a digitalização, a imobiliária tem que aproveitá-la e usá-la a seu favor. O grande ponto é como elas estão usufruindo da tecnologia para conseguir mudar e melhorar o processo dos seus negócios. 

A título de exemplo, quando se fala na relação com o proprietário de um imóvel que quer utilizá-lo para gerar renda por meio de venda ou locação, a imobiliária está preparada para conectá-lo a soluções que permitam a ele facilitar o processo de locação? Consegue conectá-lo a um serviço que permita deixar o apartamento reformado e pronto para que o imóvel seja colocado à disposição de potenciais compradores ou locatários? Ou mesmo apresentam startups que tenham soluções que geram adiantamento de recebíveis?

Esses questionamentos nos levam a indicar que mais do que pensar e estar aberto à digitalização, o mercado imobiliário não pode simplesmente achar que digitalizar é comprar um software, e sim conectar um ecossistema de soluções que permitam ao negócio melhorar a experiência e a relação tanto com os proprietários quanto com os consumidores de imóveis.

 

FEICONNECT: Quais tipos de imóveis têm sido mais comercializados? E quais modelos de negócios (aquisição, locação, assinatura)?

MA - Essencialmente não houve ainda um impacto significativo na mudança de modelos de negócio quando falamos no setor imobiliário, mas essa mudança acontecerá nos próximos anos e ela está vindo como uma avalanche. Só que é justamente isso que o mercado não está percebendo, porque efetivamente até agora o perfil dos negócios não mudou. No entanto, você já começa a ter alguns negócios que, à medida que a digitalização do setor avança, passam a se tornar mais promissores: um exemplo é a Yuca, startup de moradia compartilhada investida pela Terracotta Ventures, que está com mais de 900 imóveis em operação — algo até pouco tempo incomum e ainda pequeno no mercado nacional, mas que está crescendo muito rápido. Então, o ‘x’ da questão é que nos próximos anos, devemos ter alguns impactos mais significativos sobre o futuro imobiliário.

 

FEICONNECT: Quais estados mais têm utilizado as proptechs? E como as startups estão disseminando a atuação para outras regiões?

MA - É difícil dizer quais os estados que mais utilizam soluções das proptechs. Porém, de forma geral o movimento de proptechs, por já estar se tornando mais maduro, segue a matriz econômica do Brasil. De acordo com o “Mapa de Construtechs & Proptechs Brasil 2022”, publicado em maio pela Terracotta Ventures, São Paulo é o estado dominante no número de startups do setor — 43,12% do total brasileiro, que atualmente soma 955 negócios do gênero no país. 

Na sequência temos algumas surpresas como Santa Catarina (11,44%) e o Paraná (10,45%), que são estados com estrutura de inovação bastante significativa. Minas Gerais e o Rio de Janeiro completam os cinco estados com maior número de proptechs e construtechs (8,69% e 7,26%, respectivamente). 

Apesar de uma maior concentração nos estados do Sudeste e Sul, o mercado está mostrando uma disseminação também para outras regiões. No Centro Oeste, Distrito Federal (1,76%) e Goiás (1,54%) ocupam a sétima e oitava posições entre todos os estados com maiores quantidades de proptechs e construtechs. Já no Nordeste, o número de startups cresce no estado do Ceará, que se iguala a Bahia e Pernambuco como os estados com as maiores quantidades de Proptechs & Construtechs da região, com 3,96% da base nacional.

 

FEICONNECT: Players de inovação e tecnologia do setor têm sofrido com o impacto de alta dos juros e demissões, por outro lado, há projeções do mercado de gerenciamento de propriedade global avaliado, em 2021, em US$ 16,47 bilhões, atingir US$ 39,51 bilhões até 2030. Qual é o atual cenário brasileiro, diante da inflação, e quais fatores podem possibilitar a retomada do crescimento das empresas nacionais?

MA - Existe um cenário de cautela que passa por investimentos em diferentes setores da economia global, alguns em maior ou menor grau, e quando analisamos o cenário das construtechs e proptechs percebemos que neste segmento o mercado investidor não parou de investir, apesar de estar mais racional no momento de decidir onde colocar o seu dinheiro. De fato, houve redução no volume de rodadas e valores destinados a grandes players, porque eles estavam passando por um momento de excesso de caixa disponibilizado pelo mercado de capital. Um movimento que ganha um respiro neste ano, mas que em um ou dois anos deve voltar a acelerar.

Em compensação, nas startups early stage (estágio inicial) há manutenção de investimentos e de contratações. A InstaCasa, outra startup investida pela Terracotta Ventures, é um bom exemplo disso. A startup projeta triplicar neste ano o número de colaboradores com relação ao ano passado. Outras investidas do nosso portfólio estão indo na mesma direção e aumentando suas equipes. As empresas que estão em fase de crescimento devem continuar atraindo os bons negócios. 

Com relação a aumento de inflação e taxa de juros, são questões da economia que impactam qualquer tipo de negócio, com o qual a indústria da construção convive há muito tempo e, mesmo assim, o setor não para. Além disso, as proptechs nada mais são do que empresas que lidam com o mercado tradicional por meio de tecnologias digitais e, por consequência, são mais rápidas e responsivas. 

Assim, do mesmo jeito que a cadeira da construção civil passará por esse momento de instabilidade, essa recuperação virá ainda mais rápida por parte das startups, que por serem digitais terão mais capacidade de resposta.

 

FEICONNECT: Como você avalia a atuação das startups de menor porte que têm angariado investimentos no setor? Qual o papel estratégico delas para o mercado?

MA - As startups de menor porte estão conseguindo captar investimentos, só que esses aportes estão sendo feitos de forma mais criteriosa pelos investidores. O volume de investimento nesse estágio inicial do negócio cresceu 50%, enquanto a quantidade de rodadas diminuiu em cerca de 40% neste ano, no comparativo com o ano passado. Isso quer dizer que está entrando mais dinheiro, mas esses recursos estão sendo aplicados numa menor quantidade de negócios justamente para que esses negócios sejam robustos e tragam novas soluções inéditas para o mercado.

O que estamos vendo neste ano, e isso tem se traduzido também nos investimentos da Terracotta Ventures, é que estão ganhando prioridade as apostas em novos modelos de negócios. O que essas empresas precisam cada vez mais fazer em sua fase de early stage é realmente trazer novas abordagens para o mercado e não simplesmente ser uma cópia de negócios já testados e já validados. Elas têm que chegar para os investidores com propostas originais que o mercado tradicional não conhece e ainda não usou.

 

FEICONNECT: Quais as projeções de mercado para as Proptechs?

MA - O universo das startups é bastante imprevisível e tudo muda muito rápido, dificultando previsões sobre o futuro do mercado. Mas pelo que estamos observando e estudando tanto no mercado brasileiro quanto internacional, é que estamos com um mercado mais maduro quando falamos em investimentos no campo das proptechs, que seleciona melhor os negócios que são colocados à prova. Já houve uma exploração do segmento e agora a tendência é que a régua para a criação de novas startups se eleve ainda mais. 

Com isso, a expectativa é que a quantidade de empresas ativas reduzirá e o capital aumentará, gerando um critério cada vez mais alto para as startups começarem a tracionar. Ao mesmo tempo, pode haver uma taxa de fechamento maior dessas startups porque a tendência é haver um filtro das proptechs que foram fundadas nos últimos três/quatro anos, e que o modelo atual de negócios não está se sustentando. Isto porque o capital está mais criterioso, então os negócios que não estão indo bem terão dificuldades de se manter.

Se temos uma redução de quantidade de novas startups entrando no mercado e um aumento de fechamentos nessa última “safra”, possivelmente isso fará com que o saldo das startups ativas cresça mais devagar ou, talvez, até estacione. Só que, curiosamente, o impacto das empresas que resistirem e tiverem bons resultados será muito maior, porque serão menos empresas recebendo mais dinheiro, se tornando muito mais robustas, e que terão condições de emplacar modelos de negócios que até então não haviam despontado.

 

FEICONNECT: Para finalizar, como os eventos voltados para setor de construção civil, como a FEICON, impactam o trabalho das proptechs?

MA - Esses eventos são importantes para gerar insights e mobilizar todo o ecossistema do setor de construção civil por meio de tendências, inovações, networking, geração de conhecimento e novos negócios. É preciso que cada vez mais as organizações desses eventos façam uma curadoria detalhada de temáticas, convidados e experiências que realmente vão impactar positivamente os seus participantes, expositores e promotores. É essencial que mantenham uma atenção voltada não só para os números de proptechs alcançadas, mas também o que elas têm a agregar para o mercado como um todo. Os investidores, as empresas e empreendedores que participam desses eventos setoriais estão buscando conhecer qual é a próxima grande novidade do mercado, o que existe de mais moderno e inovador e que eu posso ter acesso em primeira mão.

 

Muitas vezes, as teses de negócios são apresentadas, mas é importante que esses eventos estimulem cada vez mais uma conexão mais profunda para que a inovação se faça acontecer na prática. Já foram mapeadas as novidades do setor, elas estão postas, mas é preciso ir além e promover a execução desses negócios. Além disso, os eventos do segmento sempre foram muito felizes em sensibilizar o mercado para a inovação e vimos que essa contribuição ajudou as empresas a buscarem a digitalização, novas tecnologias e atualizarem seus processos. Agora é preciso se voltar para as ações práticas e efetivas para que essas conexões passem a gerar negócios interessantes e capazes de influenciar toda a cadeia da construção civil.