Neuroarquitetura e materialidade: como o design de superfícies influencia a experiência humana
Por Lorí Crízel via ArchDaily
Crédito da imagem: Beyond the Surface Installation / OMA. Foto © Macro Cappelletti
A arquitetura, ao longo de sua existência, tem se reinventado, não apenas pelo surgimento de novas técnicas e tendências, mas também pelo entendimento mais profundo do ser humano. Em tempos recentes, o campo da neuroarquitetura tem revelado estudos valiosos sobre a influência dos ambientes construídos em nossos cérebros e, por consequência, em nossos comportamentos e bem-estar. Esta interdisciplinaridade sugere que o design de interiores, especificamente a materialidade e design de superfícies, pode desempenhar um papel crucial na modulação das respostas neurais e comportamentais dos indivíduos.
A neuroarquitetura emerge da confluência da neurociência — o estudo do sistema nervoso, em especial o cérebro — com a arquitetura — a arte e a técnica de projetar e edificar o ambiente habitado pelo ser humano. Este conceito, embora tenha começado a ganhar destaque nas primeiras décadas do século 21, possui raízes em pesquisas anteriores que se empenham em entender como determinados ambientes podem evocar sentimentos específicos ou influenciar a saúde mental. Um dos pioneiros desse domínio emergente foi John P. Eberhard, arquiteto formado pelo Massachusetts Institute of Technology e fundador do Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA). Em sua obra "Brain Landscape: The Coexistence of Neuroscience and Architecture" (2008), Eberhard delinea como a compreensão das funções cerebrais pode enriquecer o design arquitetônico. Em uma nota similar, em 2007, o neurocientista Fred Gage, do Salk Institute for Biological Studies, juntamente com outros especialistas, sublinhou a necessidade vital de se compreender as respostas neurais aos ambientes construídos, reforçando a ponte entre neurociência e arquitetura.
Somos, por natureza, sensíveis aos estímulos do ambiente. Texturas, cores, luminosidade, odores, sons e outros elementos ambientais, dos quais o design de superfícies faz parte, podem desencadear respostas emocionais, cognitivas e fisiológicas. Sarah Robinson, arquiteta e autora de "Mind in Architecture: Neuroscience, Embodiment, and the Future of Design" (2015), argumenta que a arquitetura pode e deve ser pensada de uma maneira que responda e respeite a nossa natureza neurobiológica, enfatizando a conexão intrínseca entre os espaços que habitamos e a nossa experiência sensorial e emocional.
Café em Harmonia com a Natureza / Reutov Design. Foto: © Reutov Dmitry, Gerner Ekaterina
Nesse cenário, a intersecção entre materialidades, design de superfícies e neuroarquitetura, serve como uma ferramenta que auxiliará no entendimento de como as escolhas de design influenciam a neurologia e o comportamento humano. Assim, os arquitetos e designers estarão melhor equipados para criar ambientes que promovam bem-estar, saúde e produtividade. Essa crescente visão multidisciplinar com a neurociência reflete o interesse em entender mais profundamente como os ambientes construídos influenciam modelos projetuais em prol de ambientes mais saudáveis, eficientes e inspiradores.
O cérebro humano, como produto da evolução, adaptou-se ao longo de milênios para responder de maneira otimizada aos estímulos do ambiente. Por exemplo, espaços abertos e bem iluminados podem evocar sentimentos de liberdade e segurança, enquanto espaços confinados e mal iluminados podem provocar desconforto ou ansiedade. Em "The Architecture of Happiness" (2006), Alain de Botton, filósofo e escritor, discute como a arquitetura e o design de interiores têm o poder de influenciar nosso humor e bem-estar, sugerindo que o espaço físico em que vivemos desempenha um papel crucial em nossa experiência emocional e psicológica.
Galpão Tropical / Laurent Troost Architectures. Foto: © Joana França
Assim, o impacto sensorial dos materiais nos ambientes é um forte objeto de estudo. A materialidade, ao ser empregada de forma intencional, pode aprimorar ou diminuir a experiência humana em um espaço. Os materiais têm a capacidade de evocar emoções, memórias e até mesmo influenciar o bem-estar físico e psicológico. Em uma era onde a neuroarquitetura se torna cada vez mais relevante, é crucial compreender como a escolha e aplicação de diferentes materiais afetam o cérebro humano e, por consequência, a experiência de um indivíduo em um ambiente.
Cada material tem suas próprias qualidades táteis, térmicas, acústicas e visuais que podem evocar diferentes respostas emocionais. Madeira, por exemplo, é frequentemente associada a sensações de aconchego e naturalidade. Juhani Pallasmaa, arquiteto finlandês e autor de "The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses" (1996), argumenta que a arquitetura é uma arte multisensorial, na qual os materiais desempenham um papel crucial na experiência humana. Ele ressalta que a materialidade pode ativar nossos sentidos e conectar-nos profundamente com o espaço.
A escolha de materiais não apenas influencia a estética de um ambiente, mas também pode ter implicações diretas para o comportamento, a saúde e o bem-estar. Materiais naturais são frequentemente percebidos como mais saudáveis e reconfortantes do que materiais sintéticos. Além disso, estudos têm mostrado que o uso de materiais naturais pode reduzir o estresse e promover a cura. Em "Biophilic Design: The Theory, Science, and Practice of Bringing Buildings to Life" (2008), Stephen R. Kellert, um acadêmico e defensor do design centrado na natureza, explora a relação entre natureza, design e bem-estar humano, sugerindo que a materialidade influencia profundamente nossa conexão com o ambiente natural e, por extensão, nossa saúde e bem-estar.
Playground Barigui / Antonio Abrão Arquitetura. Foto: © João Sarturi
O design de superfícies, que abrange a textura, cor, padrões e luminosidade de um espaço, possui um impacto direto nas respostas neurais dos indivíduos. Os detalhes que muitas vezes são considerados meramente estéticos ou decorativos têm implicações profundas na forma como percebemos, interagimos e nos sentimos em um ambiente. À medida que a neuroarquitetura avança, torna-se evidente que as decisões sobre o design de superfícies têm o potencial de promover bem-estar, produtividade e até mesmo a saúde mental.
A textura é uma característica poderosa que pode evocar uma ampla gama de respostas sensoriais. Uma superfície áspera ou suave, por exemplo, pode evocar diferentes memórias e emoções. Na obra citada de Juhani Pallasmaa, ele argumenta que a arquitetura deveria ser experienciada não apenas visualmente, mas também tatilmente, ressaltando que o tato é um sentido fundamental para a conexão humana com o ambiente construído, e o design de superfícies é crucial para essa experiência tátil.
Por sua vez, as cores têm a capacidade de evocar respostas emocionais intensas. Ambientes com tons suaves e neutros podem ser calmantes, enquanto cores vivas e saturadas podem energizar e estimular. Donald O. Clifton, psicólogo e autor de "How Full Is Your Bucket?" (2004), explora a influência das interações diárias no bem-estar emocional e sugere que certas cores têm a capacidade de "encher nosso balde" emocional, influenciando positivamente nosso humor e disposição.
Divisória brise pivotante do Apartamento LK e brise do Espaço SERtão Portinari. Foto © Denilson Machado – MCA Estúdio
Padrões repetidos e ritmos em design podem também influenciar nossa percepção de um espaço, proporcionando ordem, harmonia ou até mesmo dinamismo. Ann Sussman, arquiteta e coautora de "Cognitive Architecture: Designing for How We Respond to the Built Environment" (2015), destaca que os seres humanos são “programados biologicamente” para reconhecer padrões e que o design pode se beneficiar ao incorporar padrões que ressoam com nossas predisposições neurais.
Através da neuroarquitetura, uma série de descobertas emergiu, demonstrando o impacto profundo da materialidade e do design de superfícies no cérebro humano. Estas descobertas, respaldadas pela ciência, fornecem um novo nível de entendimento sobre como os ambientes construídos influenciam reações e comportamentos. A neurocientista Eve Edelstein, em seu trabalho "Neuro-architecture: Integrating neuroscience, architecture, and health" (2019), investiga como diferentes texturas e materiais evocam respostas cerebrais distintas. Edelstein, que tem formação em neurociência e arquitetura, destaca, também, que materiais naturais podem desencadear padrões de ondas cerebrais associados à calma e ao relaxamento.
Templo luum / CO-LAB Design Office. Foto © César Béjar
Na mesma direção, há uma longa tradição na psicologia e no design de explorar como as cores afetam nosso humor e comportamento. O psicólogo ambiental Colin Ellard, autor de "Places of the Heart: The Psychogeography of Everyday Life" (2015), analisa como diferentes ambientes influenciam nossa psique. Ele aponta que cores específicas podem estimular áreas do cérebro relacionadas à atenção, calma ou excitação. Esta compreensão pode ser usada para projetar espaços e/ou objetos, campo específico do neurodesign, que, intencionalmente, influenciam o humor ou a produtividade dos ocupantes.
Galeria Winton / Zaha Hadid Architects. Foto: © Luke Hayes
Padrões e simetrias, quando usados de forma adequada, podem criar uma sensação de ordem, harmonia e equilíbrio em um espaço. Sarah Williams Goldhagen, crítica de arquitetura e autora de "Welcome to Your World: How the Built Environment Shapes Our Lives" (2017), examina como os seres humanos são intrinsecamente atraídos por padrões e simetrias. Goldhagen argumenta que espaços que incorporam esses elementos de forma harmoniosa são mais propensos a evocar sentimentos de conforto e segurança. Assim, padrões biofílicos, que imitam formas e ritmos encontrados na natureza, podem ter um impacto melhor no bem-estar humano. Stephen R. Kellert, em "Biophilic Design: The Theory, Science, and Practice of Bringing Buildings to Life" (2008), defende que a inclusão de elementos naturais e padrões inspirados na natureza pode promover saúde, produtividade e bem-estar.
Nesse contexto, a aplicação efetiva da neuroarquitetura exige uma abordagem holística que vai além da mera estética. Incorporar os princípios da neuroarquitetura em projetos significa criar ambientes/espaços que são não apenas visualmente atraentes, mas que também atendem às necessidades emocionais, psicológicas e fisiológicas dos usuários.
Museu Americano de História Natural Richard Gilder Center / Studio Gang. Foto © Iwan Baan
Busca-se, cada vez mais, explorar de maneira profunda a conexão entre a materialidade, design de superfícies e a experiência humana sob essa perspectiva inovadora. Estas interseções não só destacam a relevância da estética em nossos espaços, mas também elucidam como o ambiente construído pode influenciar diretamente nossa saúde, bem-estar e comportamento.
Refletindo sobre a materialidade e design, torna-se evidente a relevância da seleção cuidadosa de materiais autênticos e design de superfícies no processo arquitetônico. A autenticidade ressoa com a experiência humana, criando ambientes que nos conectam de maneira mais profunda com o mundo ao nosso redor.
Beyond the Surface Installation / OMA. Foto © Macro Cappelletti
Quanto às implicações práticas para os arquitetos, a adoção e aplicação informada dos princípios da neuroarquitetura pode conduzir à criação de ambientes mais harmoniosos e favoráveis ao bem-estar humano. A arquitetura, quando bem pensada, vai além do simples aspecto visual, engajando e envolvendo todos os nossos sentidos, promovendo experiências mais ricas e imersivas.
Ao olhar para o futuro, a interseção contínua da neurociência com a arquitetura promete inovações que transformarão a maneira como projetamos e interagimos com os ambientes. A colaboração entre profissionais desses campos distintos pode resultar em ambientes construídos ainda mais alinhados às necessidades e bem-estar humano.
Casa Livramento / Mezzo Atelier. Foto © Ana Sampaio Barros
Portanto, a neuroarquitetura oferece a oportunidade de reavaliar e enriquecer nossa compreensão sobre a relação do ser humano com o ambiente. Ao incorporar seus princípios, é possível criar espaços que promovam não apenas a funcionalidade, mas também a saúde, bem-estar e uma conexão emocional mais profunda com os lugares que habitamos.