Bioarquitetura: conceitos que integram projetos à natureza ganham destaque no setor imobiliário
Crédito de imagem: acervo Arquitetura Viva
Não são apenas metodologias e ferramentas como BIM, Digital Twins, realidade virtual (VR) e novas modalidades de sistemas construtivos eficientes que estão transformando os projetos, da concepção ao acabamento. Estudos e descobertas envolvendo ciências dos materiais, análises dos ambientes para manutenção da saúde, bem-estar e qualidade de vida dos moradores, possibilitando maior integração com a natureza, também estão chamando a atenção de empresas, profissionais e clientes do setor imobiliário.
Neste sentido, temas como bioarquitetura, biotecnologia, biologia das construções, bioarquitetura, biourbanismo e biofilia são alguns dos conceitos que estão ganhando mais visibilidade no mercado, reforçando questões de autossustentabilidade e proporcionando benefícios como eficiência energética e conforto térmico, melhor qualidade do ar nas edificações, entre outros, graças ao aproveitamento da iluminação, ventilação natural e uso de “materiais” ecológicos, visando, também, redução dos impactos ambientais.
No caso dos materiais, a bioarquiteta e biourbanista, Luana Lousa, que atua na Arquitetura Viva, empresa especializada em bioarquitetura, urbanismo e design, que desenvolve projetos sustentáveis e registrou crescimento de mercado em aproximadamente 300% nos últimos dois anos, destaca que a terra é um componente que traz muitas vantagens para quem pensa em obras de menor impacto à natureza. “Um material abundante em qualquer parte do planeta é a terra e ela tem sido nosso carro chefe ao longo de anos, já que é material biocompatível, econômico, tecnologia de fácil aprendizado, altíssima performance termo-acústica, não poluente, não tóxico e fecha ciclo, ou seja, uma parede feita de adobe volta ao ciclo natural sem nenhum prejuízo para o planeta”.
A profissional revela também a busca constante por novos materiais e soluções, entre elas, a impressão em 3D de materiais biocompatíveis na composição dos projetos como um dos propósitos. "Queremos é imprimir em terra crua, e estamos trilhando esse caminho para o desenvolvimento de outras materialidades a serem impressas”, ressalta Lousa.
A especialista destaca que o trabalho em conjunto com uma empresa de tecnologia tem contribuído para a atuação no setor imobiliário. “Somos parceiros de uma startup que vem desenvolvendo seu modelo de negócios em madeira, impressão 3D e IOT (internet das coisas). Nosso foco é criar novas materialidades aliadas às já existentes, como cimento e argamassas, melhorando suas performances ambientais, associando-os ao abundante mundo dos biopolímeros ou mesmo à terra crua. A madeira é outro material interessante, já carregado de carbono e tão farto em nossa terra”, afirma Lousa.
Outros componentes também contribuem para uma arquitetura mais integrada à natureza além da terra e dos tijolos de adobe, como: bambu, pedras, fibras naturais, o uso de energia de fontes renováveis e a implantação dos chamados telhados verdes (coberturas ecológicas encontradas nos prédios comerciais e residenciais e em casas e sobrados). Os projetos costumam envolver, também, todo um estudo regional, incluindo a avaliação dos biomas para que a casa ou edifício possa integrar o local sem impactar o ecossistema.
Enquanto tais itens são realidade no mercado, outros estão em pesquisas e testes, caso dos chamados Living Building Materials (LBM), (Materiais de construção vivos, em livre tradução), que reforçam a importância da biotecnologia como alternativa no desenvolvimento de produtos mais alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo à contenção das mudanças climáticas e a diminuição das emissões de gases de efeito estufa.
O conceito, relacionado a utilização de microorganismos vivos na confecção de materiais, tem sido estudado por grupo de pesquisadores ao redor do mundo, que buscam o desenvolvimento de produtos integrando propriedades mecânicas e biológicas, caso de tijolos feitos com bactérias, que transformam areia, nutrientes e outros elementos em biocimento, e o concreto autorregenerativo, que pode ampliar a vida útil das construções com enzimas que, em contato com o CO2, criam cristais que preenchem os trincos e rachaduras, entre outros. É claro que ainda levará tempo para tais soluções começarem a ser comercializadas e tudo dependerá também da disposição dos consumidores, mas são movimentos que tendem a mudar o cenário da engenharia e arquitetura.
“O mundo já tem prototipado enormes inovações, como o projeto Marsha, que imprimiu um módulo sustentável para Marte usando basalto, ou a 3D Wasp, que usa algoritmos biomiméticos para projetar e imprimir em terra crua. O reino dos fungos também tem ganhado grande evidência como supermaterial construtivo, contando com empresas inovando em suas prototipagens como a Dezeen, a MatMatch e a Inhabitat. O Massachussets Institute of Technology (MIT) também tem apostado no desenvolvimento de biopolímeros e algoritmos baseados na natureza para produzir materiais e arquiteturas inovadoras. No Brasil, também temos muitas empresas investindo nesse universo, seja para melhoria dos produtos, como as tintas ou novas materialidades, como o caso da Mush, que tem se dedicado à melhor apropriação do micélio (filamentos de um fungo) nos produtos”, cita Lousa.
Crédito de imagem: acervo Arquitetura Viva
Saúde e bem-estar dos moradores
Não é só o desenvolvimento de materiais como forma de possibilitar uma arquitetura mais sustentável que está trazendo novas perspectivas para o mercado. Outro movimento tem mobilizado profissionais do setor por considerar pilares como a preocupação com a saúde e bem-estar dos moradores nos ambientes internos e externos essenciais. Além da neuroarquitetura, conhecida por, resumidamente, aplicar estudos de neurociência às configurações dos espaços, alguns conceitos têm chamado a atenção, caso da biologia das construções (associado à arquitetura saudável e que traz princípios de conforto térmico, acústico e de luminosidade, levando em consideração o ciclo cicardiano, o equilíbrio e o aproveitamento de recursos naturais, considerando o edifício como um ser vivo) e o design biofilico (associada à neurociência tem relação com o sentimento positivo dos seres humanos pela natureza, busca integrar plantas nos ambientes) por considerarem os benefícios da natureza no processo.
Sócio e diretor de projetos na Tellus Arquitetura Sustentável, empresa de consultoria e desenvolvimento de projetos com viés ecológico e biofílico, Ormy Leocádio Hütner Júnior, conta que “há um movimento internacional muito forte de incorporar os princípios da saúde e bem-estar, ou wellness, nos projetos de arquitetura, sejam eles para fins residenciais ou corporativos. O Brasil vem seguindo esta tendência mais recentemente, também em decorrência da pandemia do COVID-19, visto a necessidade do isolamento social pela população e pela busca de qualidade do ar interno”.
É fato que a crise sanitária, que teve seu auge no biênio 2020/2021, transformou a relação humana com os ambientes, reforçando ainda mais a necessidade desses projetos que integram a obra à natureza, mas vale destacar que o debate sobre o assunto acontece há décadas, segundo o especialista. “Nos anos 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu a Síndrome do Edifício Doente (SED) como uma das principiais causas de enfermidades em edificações preexistentes, estimando que até 30% dos seus ocupantes apresentam algum tipo de problema de saúde”, reforça Ormy.
Esses apontamentos,o compromisso ambiental assumido por empresas e o engajamento dos consumidores na busca por alternativas mais limpas e saudáveis contribuem para ampliar ainda mais os projetos de bioarquitetura.
“Observamos que muitos clientes relatam que apresentam sintomas como perturbações do sono, dores de cabeça, alergias, entre outros, em suas residências atuais. Conhecendo suas histórias e apresentando os fundamentos da arquitetura saudável, que leva em conta questões como o clima local, a importância do controle natural da umidade por meio da ventilação natural e higroscopicidade dos materiais, o uso de tintas sem emissão de COV, materiais sem toxicidade entre outros, podemos dizer que eles se sentem muito seguros em ter um projeto com esta visão mais ampla da arquitetura”.
Crédito de imagem: acervo Arquitetura Viva
O profissional ainda destaca a mudança no perfil dos clientes nos últimos anos, principalmente aqueles que estão mais alinhados à qualidade de vida e saúde física e mental, dispostos a investir em grandes soluções para estes ambientes: a sustentabilidade mais inserida em uma ótica ecológica do que hi-tech. “A demanda por saúde e bem-estar vem integrada com uma maior necessidade de reconexão com a natureza e, dentro desta perspectiva, o design biofílico promove esta integração entre arquitetura e paisagismo. Os ecossistemas naturais estão presentes por meio da infraestrutura verde, permitindo o uso de jardins internos e paredes e telhados verdes na edificação, contribuindo não só para um bom desempenho térmico, mas também promovendo a recuperação da biodiversidade e possibilitando, porque não, para a produção de alimentos”.
Sobre essa mudança de perfil e a tendência de crescimento dos projetos, Ormy é enfático: “vejo a biologia das construções não como uma tendência em si, mas sim como uma ferramenta a ser utilizada em construções mais vernaculares e produzidas de forma artesanal, mas também em grandes empreendimentos residenciais e comerciais. Embora presente em grande parte dos países do hemisfério norte, no Brasil e demais países da América Latina ainda encontra obstáculos para maior difusão em virtude da dificuldade de formação de profissionais dentro desta interdisciplinaridade. Mas o mercado para as construções saudáveis cresce de forma constante, haja visto o aumento de certificações saudáveis em empreendimentos de médio e grande porte no país”.
A arquitetura tem acompanhado as necessidades humanas e também o desenvolvimento dos sistemas construtivos (e vice-versa). Segundo Lousa, “metodologias, programas e até mesmo as demandas evoluíram consideravelmente e já não podemos pensar os ambientes da mesma forma, pois as necessidades humanas mudaram, principalmente nossa percepção, como arquitetos, em atendê-las. Diante desse cenário, fica impensável projetar sem considerar a neurociência aplicada, a permacultura, o atendimento à ODS (Objetivos de Desenvolvimento Social) as estratégias de ESG, a pegada de carbono, a avaliação do ciclo de vida de materialidades ou mesmo as emissões de compostos orgânicos voláteis, prejudiciais à saúde”.
Considerada um dos pilares estratégicos para atualização, tendências e reflexões sobre o mercado da Construção Civil, a FEICON tem destacado, em diversos de seus conteúdos, tecnologias, comportamentos e movimentos de mercado que estão transformando o setor, desde o desenvolvimento de materiais, passando pela aplicação nas obras e sistemas construtivos, até as inovações em varejo.
O cenário atual da arquitetura também terá destaque na próxima edição do evento, que acontecerá entre os dias 11 e 14 de abril de 2023, no São Paulo Expo (SP).